quarta-feira, abril 13, 2005

Eu beijo todos vocês

Ele se inclinou sobre o balcão, imitei-o, primata que sou, primata que imita compulsivamente na expectativa de ser parte do bando. Catava-lhe piolhos da cabeça se os tivera, apenas para mostrar meu apreço. Cafuné precipitado, detenho-me, mas...

Encarei-o – encarou-me. Não sei quem avança primeiro, antílope ao lago, leopardo ao antílope. Sua boca é alvo, minha língua é seta, penetra, nunca reta, curvilínea, coleante. Batidas eletrônicas, na alquimia do beijar, são notas de violino. No beijo some a multidão, o beijo come a multidão, deserto em torno de um oásis que somos nós. O beijo que a tudo devora. O beijo que demora, não o suficiente para fartar-se, para fartar-me.

Agora são trombetas. Querubins nos meus ouvidos. Mãos nos meus ouvidos, cabelos, carinhos mestiços de divino e profano. Beijo celeste, beijo mundano, me joga numa tolice ainda maior do que a dos poetas. Ele voa nos meus braços. Repousa o meu corpo sem peso nas nuvens. Anjo do céu da minha boca. Febre sem doença, fogo sem dor. O amor não é brega. O amor é kitsch.

Foi um beijo. Só isso. Tudo isso.

Hoje eu beijo todos vocês. Sem distinção, sem exceção. Recolho-os nos meus braços bêbados de prazer e os beijo um a um, bochechas, pescoços, coxas, pés e seios. Cada poro de seres inteiramente erógenos. Orgia de alegrias, de vergonha nenhuma, que amor com pudor rima, mas não combina.

Voltem para suas casas. Beijem seus filhos na testa, seus pais nas mãos, seus amigos no rosto, seus amantes nos mamilos. Beijos de Rodin, de Klimt, de João, de Maria. Gente sem pecado e sem amarras. No dia do beijo. Em todos os dias.

Eu beijo todos vocês.


 

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