quarta-feira, abril 27, 2005

O que é belo morre no homem; não na arte.

de quem me precede no vício maldito

Abriu os olhos e não conseguiu acreditar no que via. Ali, à sua frente, podia ver seu quadro, aquele maldito quadro, terminado, finalmente. Depois de anos e anos de laborioso trabalho, ali estava ele, inexplicavelmente acabado, só que ele não sabia como.

O que sentia era uma inexplicável atração por tal absurdo, principalmente pela chamativa combinação de cores na tela. Lindos tons de amarelo mesclando-se a radiantes nuances de vermelho. Ao mesmo tempo em que olhava embevecido para a magnífica obra – a sua obra – alimentava uma curiosidade e um incômodo crescentes dentro de si. Como poderia tê-lo terminado, em uma noite, sem o perceber? Era impossível. E lhe pareceu ainda mais impossível quando viu que aquele vermelho fulgurante e pulsante era a cor que sempre procurara e à qual nunca conseguira chegar, gastando suas forças e seus anos para achá-la, em vão. E agora ela se revelava à sua frente, sem explicação. Julgou que aquilo fosse uma extrema injustiça; que o que procurara durante tanto tempo – tanto que nem se lembrava mais de quantos anos se passaram – se revelasse assim tão facilmente; e pior, sem sua participação, sem que o mérito fosse seu. Percebeu, então, quão injusta era sua vida, quão inútil fora seu esforço em buscar o que queria. Num acesso de ira descontrolada e confusão, atirou-se sobre a tela, manchando sua roupa com a tinta fresca, que já não lhe parecia estar muito definida.

Voltou-se e viu que nada mais havia no quadro, não havia mais o lindo vermelho. Aquilo provavelmente havia sido fruto da sua imaginação; nunca havia aparecido aquele tom de vermelho em seu quadro. Ao acordar de uma turbulenta noite de sonhos, havia imaginado que a cor estava ali, mesmo que ele não a tivesse pintado.

Desesperado ao ver que, novamente, estava longe de conseguir o que queria, tomou uma faca nas mãos e direcionando-se à tela, rasgou o pulso. O sangue rapidamente começou a jorrar, incessante, tingindo sua obra de um vermelho vivo e pulsante. A combinação ficara linda. E em meio às gargalhadas histéricas, viu que enfim conseguira o que queria. Sua obra ficara magnificamente viva. Mesmo tendo que dar sua vida por ela.

Pra quem chegou até aqui, gostaria de revelar que esse conto foi escrito por minha irmã Daniela quando esta era uma mocinha de 17 anos. Eu teria na época entre 13 e 14 anos e o conto me causou um espanto que sobreviveu até algumas semanas atrás, quando finalmente me levou a pedir que ela escavasse a nossa bagunça de casa em busca desse texto, tão bem guardado, resultado inesperado de uma redação escolar, para que eu pudesse publicá-lo na Internet. Faço-o agora com alegria e orgulho, sem alterar uma única vírgula do texto original.


 

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