Caia na Noite: Capítulo 7
Cantos escuros
Nunca vira antes aquela rua, que lhe pareceu imensamente feia; inclinada, larga, mas de calçadas estreitas. Apesar dos carros que passavam lentamente, as pessoas transitavam pelo meio da rua, sozinhas ou em pequenos grupos. Indiferentes, passavam por ela como fantasmas em direção à entrada de lugares ocultos. Tomada por um sentimento de opressão que jamais experimentara, Liliana ousou perguntar:
– Aonde a gente tá indo?
– A um lugar do qual você vai gostar e que vai te ajudar a enxergar melhor as coisas como elas são.
Alcançaram a porta pouco visível de um antro. Era guardada por um indivíduo alto e esguio, dono de cabelos de paina e uma beleza andrógina, indecifrável. Essa figura sorriu para Fabiano e Marisa, envolvendo-os num abraço lânguido, e devorou Liliana com assombrosos olhos negros, deixando-a entrar sem pedir um documento. Decerto, pensou, estava com um casal conhecido.
O interior do lugar era impressionante, quase onírico, com a fumaça de gelo seco que envolvia a tudo e a todos e as luzes que piscavam numa vertigem constante. Não se podia conversar ali dentro, o volume do som estava muito alto e a batida era rápida, alucinada. Liliana não soube explicar por que todos ali lhe pareciam tão estranhos e ao mesmo tempo tão familiares; muitos passavam por ela com arrogante indiferença, enquanto outros fitavam-na demoradamente com olhares de rapina, como se ela fosse um animal muito pequenino. Queria ir embora. E também queria ficar.
Percebeu que Fabiano não estava mais no seu campo de visão. Marisa, tampouco. Esticou o pescoço para procurá-los em meio às inúmeras cabeças ao seu redor. Em vão.
Foi quando passou por ela um rapaz. Lindo; espantou-se quando essa palavra tremeu em seus lábios sem que ela quisesse. A blusa preta se fundia ao denso cabelo negro que lhe descia pelos ombros. Um rosto de marfim voltou-se e olhos de jade fitaram-na, risonhos. Sem saber por quê, Liliana seguiu a figura que a cativara tão absolutamente.
Viu-se cercada. Ninguém parara de dançar, mas muitos queriam algo dela – o mais desavisado entre os inocentes reconheceria isso. Mas não sentiu medo. Ao contrário, cada vez mais via-se impelida a se entregar à multidão de rostos desconhecidos que a cortejavam. Onde estaria o rapaz bonito?
Liliana piscou, atordoada, vendo que as luzes de todo o local se apagavam e a música perdia velocidade, mudando para uma melodia grave, sensual. Sentiu então uma mão apanhar-lhe o pescoço logo abaixo da orelha esquerda. Firme, mas sem machucar. Ele a devorou com os olhos verdes e, em seguida, com a boca. Ela assentiu; há tempos não experimentava um beijo de língua como aquele.
Aquela boa sensação lhe foi violentamente arrancada. Alguém mais a agarrara pelos cabelos da nuca. A dor foi aguda, ela tentou conter a mão brutal, foi empurrada, o rosto de encontro à parede, o corpo subjugado por um peso desconhecido, garras lhe puxando o cabelo e uma respiração forte junto a seu pescoço. Um rosnado surgiu no seu ouvido:
– E se eu te ensinasse uma lição por ter vindo até aqui? E se eu te matar agora? Não é o que você quer?
– Não!
Sua voz foi abafada pela batida frenética, que recomeçou tão subitamente quanto havia cessado. As luzes voltaram a piscar e ela se virou, repentinamente livre de seu opressor. Todos dançavam e ninguém prestava atenção à garota em lágrimas no canto do salão.
Aonde fora ele? Ou ela? Não fora capaz de identificar se a voz gutural pertencia a um homem ou a uma mulher. Podia ter sido Fabiano. Também podia ter sido Marisa, ela tinha uma voz suficientemente grave para...
– Que foi?
Era Fabiano quem tocava seu ombro, fazendo-a pular. A namorada o acompanhava. Pareciam estar de bom-humor.
– Está chorando por quê?
Liliana esfregou os olhos, fungou uma vez. Antes que articulasse qualquer palavra, um copo passou da mão do rapaz para a sua.
– Toma isto, vai te fazer bem.
A bebida queimou sua garganta, mas ela não a identificou, nem se preocupou com isso. Sentiu-se aquecer por dentro.
– Eu quero ir embora, vamos embora daqui, pelo amor de Deus – pediu.
– É nisso que dá trazer criança pra balada. – Marisa afastou-se, enquanto Fabiano simulava um esgar de decepção.
– Já deve passar da 1h e estou sem carro, não posso te levar pra casa. Você vai ter que esperar até o metrô começar a funcionar...
Liliana cuspiu um palavrão, depois outro, e saiu cambaleando, as pernas feito borracha. Tinha de sair, qualquer lugar era melhor do que ali. Do lado de fora, ficou tentando avistar um táxi, pronta a fazer sinal, sem vontade de pensar no perigo.
– Liliana!
Voltou-se sem muito interesse para ver Fabiano passando pela porta do bar e indo em sua direção.
– Não vou de deixar sozinha por aí. Vem comigo.