domingo, junho 12, 2005

Caia na Noite: Capítulo 7

Cantos escuros

Nunca vira antes aquela rua, que lhe pareceu imensamente feia; inclinada, larga, mas de calçadas estreitas. Apesar dos carros que passavam lentamente, as pessoas transitavam pelo meio da rua, sozinhas ou em pequenos grupos. Indiferentes, passavam por ela como fantasmas em direção à entrada de lugares ocultos. Tomada por um sentimento de opressão que jamais experimentara, Liliana ousou perguntar:

– Aonde a gente tá indo?

– A um lugar do qual você vai gostar e que vai te ajudar a enxergar melhor as coisas como elas são.

Alcançaram a porta pouco visível de um antro. Era guardada por um indivíduo alto e esguio, dono de cabelos de paina e uma beleza andrógina, indecifrável. Essa figura sorriu para Fabiano e Marisa, envolvendo-os num abraço lânguido, e devorou Liliana com assombrosos olhos negros, deixando-a entrar sem pedir um documento. Decerto, pensou, estava com um casal conhecido.

O interior do lugar era impressionante, quase onírico, com a fumaça de gelo seco que envolvia a tudo e a todos e as luzes que piscavam numa vertigem constante. Não se podia conversar ali dentro, o volume do som estava muito alto e a batida era rápida, alucinada. Liliana não soube explicar por que todos ali lhe pareciam tão estranhos e ao mesmo tempo tão familiares; muitos passavam por ela com arrogante indiferença, enquanto outros fitavam-na demoradamente com olhares de rapina, como se ela fosse um animal muito pequenino. Queria ir embora. E também queria ficar.

Percebeu que Fabiano não estava mais no seu campo de visão. Marisa, tampouco. Esticou o pescoço para procurá-los em meio às inúmeras cabeças ao seu redor. Em vão.

Foi quando passou por ela um rapaz. Lindo; espantou-se quando essa palavra tremeu em seus lábios sem que ela quisesse. A blusa preta se fundia ao denso cabelo negro que lhe descia pelos ombros. Um rosto de marfim voltou-se e olhos de jade fitaram-na, risonhos. Sem saber por quê, Liliana seguiu a figura que a cativara tão absolutamente.

Viu-se cercada. Ninguém parara de dançar, mas muitos queriam algo dela – o mais desavisado entre os inocentes reconheceria isso. Mas não sentiu medo. Ao contrário, cada vez mais via-se impelida a se entregar à multidão de rostos desconhecidos que a cortejavam. Onde estaria o rapaz bonito?

Liliana piscou, atordoada, vendo que as luzes de todo o local se apagavam e a música perdia velocidade, mudando para uma melodia grave, sensual. Sentiu então uma mão apanhar-lhe o pescoço logo abaixo da orelha esquerda. Firme, mas sem machucar. Ele a devorou com os olhos verdes e, em seguida, com a boca. Ela assentiu; há tempos não experimentava um beijo de língua como aquele.

Aquela boa sensação lhe foi violentamente arrancada. Alguém mais a agarrara pelos cabelos da nuca. A dor foi aguda, ela tentou conter a mão brutal, foi empurrada, o rosto de encontro à parede, o corpo subjugado por um peso desconhecido, garras lhe puxando o cabelo e uma respiração forte junto a seu pescoço. Um rosnado surgiu no seu ouvido:

– E se eu te ensinasse uma lição por ter vindo até aqui? E se eu te matar agora? Não é o que você quer?

– Não!

Sua voz foi abafada pela batida frenética, que recomeçou tão subitamente quanto havia cessado. As luzes voltaram a piscar e ela se virou, repentinamente livre de seu opressor. Todos dançavam e ninguém prestava atenção à garota em lágrimas no canto do salão.

Aonde fora ele? Ou ela? Não fora capaz de identificar se a voz gutural pertencia a um homem ou a uma mulher. Podia ter sido Fabiano. Também podia ter sido Marisa, ela tinha uma voz suficientemente grave para...

– Que foi?

Era Fabiano quem tocava seu ombro, fazendo-a pular. A namorada o acompanhava. Pareciam estar de bom-humor.

– Está chorando por quê?

Liliana esfregou os olhos, fungou uma vez. Antes que articulasse qualquer palavra, um copo passou da mão do rapaz para a sua.

– Toma isto, vai te fazer bem.

A bebida queimou sua garganta, mas ela não a identificou, nem se preocupou com isso. Sentiu-se aquecer por dentro.

– Eu quero ir embora, vamos embora daqui, pelo amor de Deus – pediu.

– É nisso que dá trazer criança pra balada. – Marisa afastou-se, enquanto Fabiano simulava um esgar de decepção.

– Já deve passar da 1h e estou sem carro, não posso te levar pra casa. Você vai ter que esperar até o metrô começar a funcionar...

Liliana cuspiu um palavrão, depois outro, e saiu cambaleando, as pernas feito borracha. Tinha de sair, qualquer lugar era melhor do que ali. Do lado de fora, ficou tentando avistar um táxi, pronta a fazer sinal, sem vontade de pensar no perigo.

– Liliana!

Voltou-se sem muito interesse para ver Fabiano passando pela porta do bar e indo em sua direção.

– Não vou de deixar sozinha por aí. Vem comigo.


Na semana que vem, momentos decisivos e tensão cortante: Do alto da noite!


 

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