sexta-feira, julho 08, 2005

Três macacos

restolho de 31.01.2005

"Você não pode ser tão cego", foi o que pensei ontem à noite.

Mas não disse. Sou bem de cuspir na mão que me afaga, mas não cheguei a esse ponto.

Eu lhe pedi que apontasse um defeito. Um defeitinho só. Que seus olhos pudessem enxergar na minha cara deslavada. Na minha alma ainda por lavar. Onde fosse, sendo em mim.

"Não enxergo o mal. Não ouço o mal. Não digo o mal. Pare de procurá-lo onde não está."

Que faço eu com semelhante resposta? Você é um amálgama dos três macaquinhos que tapam olhos, ouvidos e boca. Não dá entrada em sua alma para o que não presta. Não vibra sua língua na freqüência dos insultos.

Você me diz que sou perfeita. E eu ainda lhe ponho defeitos.

Queria enganá-lo para sempre. O plano era fazer-me segura, insuspeita, alguém que olha para o sol como para um igual, sem nunca exibir seu lado negro. Aquele lado onde não bate luz. Não é o meu traseiro, diabos. O lado onde a benevolência nunca incide feito raio luminoso. Esse lado que eu esfrego na sua cara todo dia e você insiste em não ver.

Tão cegos os olhos.

Quero tanto ser mais como você.

Pedi-lhe que me ensinasse. Que me emprestasse por tempo indeterminado essa tranqüilidade nata, essa inabilidade de acumular ódio, essa completa incapacidade de identificar um inimigo na sombra. Sua inocência. Já tive uma, não tão completa, mas de todo modo eu não sei onde a larguei. Onde ela me largou. Em que ponto se soltou da minha mão que se fechou em punho permanentemente. Punho de socar.

Sua completa, absoluta inocência. E você ma recusou.

"Não há nada que ensinar. Não quer ver o mal, então não o veja. Não o escute. E não o diga." Quisera eu missão assim fácil. Nunca é. Ser como você. Como? Eu o observo e só absorvo minha vergonha. Inspiro a sua saúde e me consome a doença. Adoro a sua alegre insanidade, o seu deslocamento na multidão, a sua solidão induzida, reduzida na sua lucidez.

Não confio no meu discernimento, na minha noção de luz e sombra, forma e distância. Devia adotar a sua política: sorria e cale a boca. Você é meu macaco cego, surdo e mudo. Meu louco feliz.

Permita-me este lamento. Só este momento de autocomiseração. Não sou covarde. Sei rir e chorar. Mas tenho medo de um dia entrar em curto. Não quero me atirar de um prédio por paranóia, tenho a certeza única do desamor.

Sou refém dos meus ímpetos, aprendiz do seu silêncio. Infeliz de mim: nunca serei você.


 

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