sexta-feira, janeiro 20, 2006

Do Pecado Virtuoso

uma resposta a "Da Virtude Pecaminosa"

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Bate em meu peito um malho sem tréguas,
Sobre uma bigorna muscular,
E as faíscas que de lá brotam
São uma enxurrada de paixões e fleumas.
(Eu quisera a arte qual uma paródia de vida,
E a minha nova vida é paródia dessa arte.)
Somente eu soube fazer-te arte,
Pois só uma insana pode ver
O arco-íris no cinza de uma pedra.

O teu enigma atrai e trai:
És como a folha de papel em branco,
Que, em silêncio, chama a tinta, para, tarde demais,
Dar-nos a saber que pena alguma a irá cortejar.
Queres borrões, não verdades.
O que te dei foram esboços de amizade.
Não te acuso por teu pavor de pintar
Da verdade um retrato,
Mas condeno-te por tua profunda futilidade.

Minha língua é demasiado curta
Para alcançar o cume de minha indignação
E da tua carência de dignidade.
Se a minha presença te incomoda,
A tua existência me ultraja.
Teus olhos são uma água lodosa
Onde face alguma encontra espelho,
E onde o Sol não ousa reluzir,
Temeroso de que até mesmo a sua luz,
Em ti, torne-se fosca.

Teus lábios são pétalas vermelhas,
Mandíbulas de uma planta carnívora, esfaimada
Que aguarda, inerte, silenciosa,
A corte que lhe prestam suas vítimas
(E tu tens cadáveres de insetos
No fundo da tua garganta).
Teu peito é uma garrafa vazia
Nas mãos de um bêbedo.

Teu ser todo é um lupanar
Onde se prostituiu o significado,
Desvirginou-se a esperança
E violentaram a franqueza,
Onde o passado deitou-se embriagado
E perdeu-se, negligente, o futuro,
Em incesto com seu gêmeo, o passado.
Mas, do teu maior pecado, tiro minha maior virtude:
Que, embora de ti tenha provado, eu jamais seja
Amarga, triste e seca como tu.

Tu és fragmentos de algo que não suporta ser uno
E que ainda crê ser único.
Tu és pedaços que fogem uns dos outros
E, da colisão, formam
Um vaso profundo, escuro... vazio.
Tu és uma revanche contra um mundo
Que se atreve a olhar-te bem no olhar.

Eu sei amparar teus medos,
Mas não posso nutrir tua covardia.
Não me perguntes o que fiz de ti;
Inquiras a teu próprio espírito:
O que a ti mesmo fizeste?
Não te culpo por minha compaixão.
Incrimino-te por teu oportunismo e tua ausência
De paixão, de razão, de argumento.
E minhas lágrimas, hoje, pouco são
Além de recordações
Que à memória dos olhos senis passam
E pelos olhos jovens são esquecidas.

E tudo o que tuas mãos solicitam para a ação
É o momento, o acaso, o fácil.
Por que, então, se em mãos tiveste a adaga,
Não me varaste de vez as costas enquanto eu dormia?
Porque, mesmo sendo efêmero esse teu ser capaz,
Capaz foste de, um dia, ter-me afeto.
As fibras de teu coração são frouxas;
Não conheces firmeza ou lealdade.

Eu soltei minha espada
Para oferecer-te flores, e tu,
Sob meu próprio manto, me apunhalaste.
Às horas vespertinas, lembro-me de andar contigo
(E suspiro); recordo-me de rir contigo
(E sorrio), lembrando-me de suportar o peso do crime
(E sangro), e, quando encaro o crepúsculo,
Sinto a linha do horizonte a me enforcar.

Não confiei na eternidade
Que me ofereceste em promessas,
Mas quis crer imortal aquilo que sabia breve.
Tua promessa é frágil e vazia
Feito boneca de porcelana
Cuja beleza é admirada no alto da prateleira,
E que, ao ser tocada,
Derruba-se, parte-se, perde-se.
Tua promessa é frágil e vazia
E perdida como tu.

Durante muito tempo, lidei com teu corpo morto,
Encenando tua alma finada,
Pois, cega de meu pranto,
Na hora de tua morte, não ousei te enterrar.
Não esperes por mim para morrer:
Se não sepultei a quem amava,
Não irei a funeral de estranhos.
E teu único privilégio, agora,
É meu adeus:
A primeira centelha de ódio
Em mim atiçada, foi tua.

28.11.1997


 

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