segunda-feira, junho 26, 2006

De onde vem a inspiração?

Agradeço à colega internética Agnes Mirra, que me fez a pergunta via Orkut e, assim, causou o seguinte texto, que é mais um desenvolvimento de (falho?) raciocínio do que uma resposta. Podem ler e opinar: se concordam, se não concordam. Pedras e flores.

De onde vem a inspiração?

Taí uma pergunta bem espinhosa. Para respondê-la a contento eu provavelmente teria de dispor de uma definição confiável do que é a inspiração, e receio não ter uma. Mas vou tentar mesmo assim.

Considero a inspiração como uma coisa que surge de forma inesperada, uma idéia para uma história ou uma vontade de escrever que parecem irresistíveis. Esse desejo pode brotar das fontes mais diversas: de uma conversa com um amigo, de um documentário científico, de uma música que não sai da cabeça, das cores do céu no fim da tarde, do sabor de uma comidinha especial, de um fato curioso observado na rua, de um desejo secreto, de um medo antigo. Enfim, pode vir de qualquer lugar, e acredito que funciona mais ou menos do mesmo jeito para escritores, músicos, pintores, etc.

Por outro lado, já ouvi dizer (e infelizmente não sei quem foi o autor dessa idéia) que o trabalho criativo é 10% inspiração e 90% transpiração. Ou seja, o êxito do seu livro, quadro ou canção depende mais do seu empenho em obter esse êxito do que de uma inspiração inexplicável que brota do subconsciente ou de alguma fonte divina, cujo aparecimento não depende da sua vontade. Ou seja, o desejo de fazer bem-feito seria mais valioso do que o talento latente.

Eu concordo com essa definição na maior parte do tempo.

Por exemplo, para escrever os contos presentes em Necrópole volumes I e II, tive de dar tratos à bola para achar boas histórias. Com A casa dos loucos, tive sorte: a idéia me veio num sonho. A casa misteriosa, as pessoas extravagantes, a desconfiança constante, estava tudo lá. Só precisei acrescentar vampiros... Já com Entre o silêncio e o pó, precisei matutar bastante para escrever uma história de fantasmas.

Eu já havia escrito uma ou duas coisinhas sobre espíritos antes, mas histórias bem curtas e diretas. Entre elas, Linda quando chora, de humor negro, e O jogo da meia-noite, balada gótica, pela boa recepção que tiveram junto aos leitores.

Mas, em Necrópole, precisava de uma trama mais complexa, que se sustentasse por cerca de 30 páginas. Foi mais transpiração do que inspiração. Tentei imaginar o que eu mesma gostaria de ver em uma história desse gênero. Em sua primeira versão, era um texto dramático e intimista sobre uma garota relutante em fazer parte do mundo adulto e que via fantasmas. No segundo tratamento, que entrou para o livro, consegui me ater à proposta da coleção e fazer a protagonista, Irene, se borrar de medo com visões do passado e do futuro, despertas e adormecidas, que pouco a pouco minaram sua vontade própria. Procurei não perder o elemento dramático, mas dosá-lo de forma a não superar o horror que a vida de Irene se tornou em todos os âmbitos. Segundo alguns leitores, o maior mérito desse conto é que podemos decidir se realmente há fantasmas nele ou apenas uma garota psicologicamente frágil, que vê seu mundo ruir diante de uma série de acontecimentos com os quais não sabe lidar e, com isso, passa a sofrer de alucinações.

Enfim, foi um trabalho de suor e não de "heureca".

Por outro lado, alguns dos meus textos mais bem-sucedidos são produto desses surtos de criatividade na madrugada. Você está sentada diante do teclado e de repente sente comichão nos dedos, que começam a digitar enquanto a mente trabalha doidamente. "Não pense que a cabeça agüenta se você parar", já dizia Raul Seixas. E não tem nada "vou dormir, preciso acordar cedo amanhã" ou "tenho trabalho pra fazer, não devia estar aqui". Não adianta ir pra cama que a cabeça não pára. Você se revira. O texto está em você, lhe comendo as entranhas, e quer sair para o mundo. Nenhuma associação com o produto final do jantar aqui, OK?

Em textos desse tipo, dispenso a preocupação com a qualidade literária e deixo a coisa fluir para onde quer. Normalmente fico feliz com o resultado. Uma dessas viagens mais recentes é Eu quero entrar em você, publicada no site da Dóris Fleury, A Escrevinhadora.

Por tudo isso, sou a favor de ambos os processos: o da inspiração natural, que te empurra para o trabalho como o desejo te empurra para o orgasmo, e o do empenho consciente, no qual a pesquisa e a estruturação metódica são suas ferramentas de criação. Para mim, está provado que ambos funcionam.

Em suma: a inspiração nasce de onde menos se espera. E, se não nascer, você faz nascer na porrada. Deu pra entender?

Por favor, não deixem de opinar sobre o assunto. Discordem, corrijam, complementem, concordem, argumentem. Seus comentários não só enriquecem este espaço virtual como também contribuem para uma discussão que acho pertinente a todos aqueles que se interessam por produção literária.

E, para quem achou este texto horrivelmente egocêntrico, recheado de auto-referências e uma auto-análise interminável, só posso dizer uma coisa: concordo plenamente com vocês, gente esperta. Afinal, diabos, este é o meu blog. Onde mais posso ser egocêntrica impunemente, senão aqui?


 

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