sexta-feira, julho 14, 2006

O Sabor das Primeiras: Capítulo 4

Telefonemas, colhões e um Bloody Mary

Liliana tinha pressa e o número era de um celular em São Paulo. Ligou três vezes durante todo o dia seguinte, caixa postal, caixa postal e caixa postal. Arriscou à noite, depois da aula, e obteve o primeiro alô.

– Desculpe por ligar a esta hora, mas tentei o dia inteiro e...

– Tudo bem. – A voz do outro lado era firme e agradável. – Este é meu horário de trabalho normal. Posso te ajudar?

– Meu nome é Liliana. Eu preciso falar com você sobre vampiros. É... urgente.

Em 40 minutos ela estava no boteco sugerido. A mulher atrasou-se 10 minutos, mas, quando entrou, Liliana sabia que era ela. Pois seus olhares não se cruzaram, mas ela a viu ir direto para o balcão, sentar-se num dos bancos altos e pedir em alto e bom tom:

– Jô, me vê uma caipirinha.

– Com pinga mesmo, Dora?

– Se não for de pinga não é caipirinha.

– Há controvérsias, sabe?

– Vodca não tem brasilidade, meu velho. Vai pedir caipirinha na Rússia pra você ver.

– É? O que eu vou ganhar? Um chute no cossaco?

– Ai, Jonas, você podia ter me poupado dessa...

Mas Liliana não prestou atenção ao resto da conversa, que teria se estendido em momentos intermináveis de filosofia de botequim se ela não os interrompesse. Aproximou-se com o cartão de visitas na mão, arriscou um olá, e antes que se apresentasse foi notada pela mulher, que lhe apertou a mão e olhou para ela de cima a baixo.

– Você é maior de idade, né?

– Sou – respondeu sem hesitar.

– Bebe uma caipirinha?

– Prefiro um Bloody Mary, tem?

O enorme barman meneou a cabeça em resposta e foi para trás da estante de bebidas buscar tomates. Quando olhou para Liliana, ela percebeu que ele tinha um enorme corte, já cicatrizado, cruzando o rosto em diagonal. Guardou o cartão na bolsa e ofereceu à outra, que a olhava com expectativa, o que julgou ser um sorriso simpático.

– Dora Cruz, né? – disse. – Um nome bem adequado pra quem faz... o que você faz. – Examinou com cuidado o rosto moreno, os olhos amendoados, as linhas suaves, a despeito da expressão determinada.

– Eu resolvo problemas com dentes pontudos demais. Não foi por isso que você me ligou?

– Você mata vampiros?

– Se preferir. – Dora foi acompanhada em sua risada pelo barman que voltava. – O Jonas aqui não gosta muito dessa palavra.

– Deixa quieto, Dorinha. Eu nem lembro mais. – Apesar do sorriso debochado, ele passou a mão sobre a cicatriz no rosto, instintivamente, enquanto depositava a bebida de Liliana sobre o balcão. Ela imaginou se seria prolífico falar também com ele mais tarde.

– Bom, menina. Me fala do seu problema. Você precisa se livrar de um vampiro?

– Na verdade... preciso encontrar um.

– O quê? – A incredulidade na voz de Dora traiu sua atitude territorial, controlada.

– Você me ouviu. Eu quero encontrar um vampiro. Qualquer um. Você pode achar um pra mim?

– Posso. Com certeza. Sopa no mel.

– Então...

– Mas não vou.

Liliana parou o copo de bebida vermelha a meio caminho da boca.

– Por que não? – perguntou indignada.

Dora bebeu sem pressa um gole de sua caipirinha.

– Porque isso é um trabalho sério – respondeu – e eu já saquei qual é a sua. Não é a primeira entusiasta que me procura. Vocês pensam que vampiros são caras cultos e charmosos que vão levá-las a um mundo maravilhoso onde serão eternamente jovens, viverão bebendo o sangue dos simples mortais e toda essa coisa de cinema. Mas não é por aí, não.

– Mas...

– Sem “mas”. Esses caras são perigosos. Você pode até dar sorte de encontrar um legal que só te dê uma chupadinha de nada, mas a chance de o cara ser um filho da puta que vai te sugar até a morte e te largar pelada numa sarjeta é bem maior. Ninguém vai te dar a tal da “vida eterna” só porque você quer. Vai por mim, menina, a gente não escolhe, eles é que escolhem, e ai de quem for escolhido.

Mas antes que Liliana voltasse a protestar, Dora já se voltara para Jonas como se ela não estivesse mais ali.

– Que saco, Jô. Sempre tem alguém achando que...

Dora sentiu o gosto de suco de tomate, pimenta e vodca invadindo seus lábios. Liliana acabara de jogar todo o seu Bloody Mary no rosto da matadora. Percebeu na hora que aquilo fora um erro. Não devia ter perdido a calma. Todos os rostos presentes se voltaram para ela. Aquele era o território de Dora, um bar escolhido por ela, e Liliana apressou o passo em direção à rua.

Não se surpreendeu realmente ao ser detida pela mão que a agarrou pela alça da bolsa e em seguida avançou para seu cabelo. Ouviu a voz de Dora Cruz junto ao rosto.

– Menina: não vou te bater porque estou vendo que você ainda é criança e porque, pra sua sorte, a pimenta não pegou no meu olho. Mas você tem colhões de vir aqui e botar banca desse jeito. Por isso, vou te dar uma colher de chá. – Seus dedos enroscados nos cabelos tingidos de Liliana não cediam um centímetro enquanto falava, nem quando forçou um papel para uma das mãos da garota. – O nome dele é Saul, ou ele diz que é. Procura o cara nesse lugar. Eu tenho o palpite de que você vai adorar.


É, pessoal, a noveleta está chegando ao fim. Continuem acompanhando a jornada de Liliana, que de heróica não tem nada, pois na semana que vem teremos algumas surpresas!


 

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