quinta-feira, março 16, 2006

Mundo pequeno

Quando eu era criança, minha irmã, adolescente, pegou emprestado com uma amiga um livro de terror. Ela lia trechos em voz alta pra mim, eu morria de medo e queria mais. Mas ela nunca me disse como a história terminava.

Cresci (há controvérsias sobre isso, mas vocês entenderam) sem me esquecer desse livro e do efeito que causou em mim há anos. Nunca o encontrei numa livraria. Aparentemente ele foi editado apenas em 1988 e nunca mais.

Agora, na era da internet, escrevi para dezenas de sebos na cidade de São Paulo procurando o bendito, com todas as referências. Nada. Teimosa, busquei-o ao acaso no Google. Fui encontrá-lo no MercadoLivre.com, num sebo em Santos. Nunca havia negociado no MercadoLivre e tive receio, mas arrisquei. O livro, enviado pelo Sebo Marchesini, chegou hoje à minha casa.

Meu pai, curioso, revirou o pacote e leu o remetente.

- Estevan Marchesini Amorim... eu conheço esse cara.

- Como, pai?

- Há uns anos eu vendi um monte de gibis pra esse sebo.

- Mas em Santos?

- É, em Santos.

- Quando foi isso?

- Ah, em 78, 79...

Eu nasci em 1981. Mundo pequeno.

Pode ser que esse livro seja a melhor obra de terror que eu vou ler. Pode ser que seja uma bela porcaria datada. Só vou saber seguindo o impulso que a Fabiana me iomplantou sem querer na infância, a idéia fixa de que esse livro pode me causar os arrepios de leituras na madrugada que eu tanto procuro.

Ah, sim...

Besta-Fera
Jack Woods (pseudônimo de William B. O'Neil)
Nova Cultural, 1988

Depois eu digo se é bom mesmo.

Necrópole no jornal "O Regional"

Pessoal,

Palavras do Caronte:

"Uma excelente matéria sobre a literatura vampiresca no Brasil acaba de sair no jornal "O Regional", da cidade de Catanduva. O texto fala dos autores nacionais do gênero, mas dá destaque ao trabalho de Alexandre Hereria, Camila Fernandes, Gian Celli, Giorgio Cappelli e Richard Diegues em "Necrópole - histórias de vampiros", sem deixar de mencionar o novo livro da coleção, "Necrópole - histórias de fantasmas", bem como seu lançamento na Bienal.

Para ler a matéria na íntegra, clique aqui."

Ei... adorei! Pelo menos dois terços da matéria falam da coleção Necrópole e há até trechos extraídos da entrevista que o Eric Novello fez comigo.

segunda-feira, março 13, 2006

Teoria da dependência

viajei, mas saiu assim mesmo

Eu tenho uma teoria.
A gente se apaixona por alguém por um motivo ou outro, que não vem ao caso.
Aí, conhece melhor a pessoa e geralmente passa a amá-la.
Então, com a convivência, passa a depender dela.
Isso confirma o chavão de que procuramos a “cara-metade”, o “chinelo velho do pé cansado”, a “tampa da panela”, ou seja, a idéia popular de que viemos ao mundo pela metade e passaremos a vida procurando pela outra metade, com a qual – e só com a qual – nos tornaremos inteiros.
Passamos a enxergar a pessoa ao nosso lado como uma parte indispensável da vida, algo que nos valida perante a sociedade, perante o próprio cosmos, como uma garantia de que a vida significa alguma coisa, afinal.
Mas, no meio dessa delicada dependência, o amor, às vezes, acaba. Ou nem chega a existir após o período inicial de fogo e deslumbramento da paixão.
E então ficamos confusos... querendo partir e não podendo.
Olhando para o outro como o nosso atestado de normalidade, a parte de nós que faz com que nos sintamos humanos, dignos, completos, ideais.
Procuramos no outro aquilo que parece faltar a nós, seja inteligência, alegria, sorte ou dinheiro. Acoplamo-nos ao outro numa simbiose emocional.
Só nos livrando voluntariamente da dependência, escapando da sedutora segurança do compromisso – enfim, deixando de apenas encarar o abismo e atirando-nos nele – é que podemos ser realmente livres.
Completos.

sexta-feira, março 10, 2006

15 Motivos para ir à Bienal do Livro neste sábado

- Levar os filhos para um programa barato e cultural;- Se for mulher, tirar o maridão do buraco do sofá;- Se for homem, mostrar que tem cultura e de bônus ainda ver umas gostosas nos stands;- Renovar o estoque de sacolas;- Se entupir de panfletos que nunca serão lidos;- Aumentar a chance de ser filmado pela Globo, nem que seja sem querer;- Comer Favo Holandês coberto de chocolate na saída do Anhembi;- Pegar uma tonelada de brindes, adesivos e outras coisas inúteis, mas que todo mundo adora;- Reclamar que "a do ano passado estava bem melhor" (apesar de, como o nome informa, ser um evento bi-anual);- Fazer Shiatsu de graça;- Brincar de esconde-esconde com o vendedor da Barsa, Mirador, Universal ou outra enciclopédia;- Se acotovelar pra assistir a uma palestra óbvia de alguém;- Se increver em uma pá de sorteios e não ganhar absolutamente nada;- Ficar meia hora na fila de uma reles bexiga com a qual seu filho(a) cismou;
E o melhor de tudo:
- Ir como convidado no lançamento de "Necrópole - Histórias de Fantasmas", e dar um forte abraço nos autores.
É isso aí! Não se esqueçam de que amanhã, a partir das 20hs no stand da Editora Alaúde (Rua 6 com Av. M), será o lançamento oficial de meu 2º livro.
IMPORTANTE: este ano, a Bienal do Livro é no ANHEMBI!
Espero vocês por lá.

quarta-feira, março 08, 2006

Nova Piada

Na verdade, é velha, mas o nome sempre foi esse.

Como que doente, afogada em meus próprios melindres morais,
Com movimentos hábeis e muito ilusionismo,
Furto-me ao convívio humano.
E nisto sou tão exímia que até ludibrio a mim mesma,
E pego-me a vigiar todos os cantos
E a indagar-me obstinadamente:
Onde diabos foi meter-se o mundo?
Mirei-me de todos os lados que me pareceram possíveis,
E tanto, que dei voltas em torno de meu próprio eu,
Procurando-o sempre e sempre a vê-lo somente de esguelha,
Feito cão perseguindo a própria cauda,
Até pôr-me tonta e estatelar-me no chão.
Cansei-me. Mas não se mata a sede com águas passadas.
Ó saudades do tempo em que qualquer espécie de maturidade
Não passava de um distante anseio!
Nem a presença das memórias
Pode restituir-me ao caminho em que eu ia,
Muito jubilosa, de encontro à superação do meu ser?
O que é mais jocoso nos meus dias
É imaginar que eu acreditava muito mais em mim mesma
Quando não era capaz de crer em nada mais.
E eu própria era a única coisa tangível
No exato momento em que acontecia:
Eu era o presente
E muito pouco alimentava
Em relação a passados e futuros...
A frustração sempre migra no inverno,
Mas retorna com uma nova piada a contar,
E nós passamos tardes nostálgicas juntas,
Fazendo gracejo daqueles que passam pela rua.
De nada vale descrever minha queda;
O homem só a reconhecerá quando cair.
Então, que não se deseje de mim que reconheça o perigo
Em todos os buracos nos quais nunca pus as mãos.
Deixai-me. Deixai-me, que não suporto estar só,
Mas minha pessoa é a única que não ouso xingar,
Pois é a única que sabe pouco mais ou menos
O que penso dela,
E, portanto, não tenho de lho comunicar.
Fico aqui a matar-me de ânsias de vos dizer o que sinto e penso,
Mas creio que o que eu vos puder contar
Soar-vos-á como grego. Nada direi.
Como poderia, com tal nó me apertando a garganta
– O nó da gravata da boa conduta?
Eu não consigo caminhar sobre as sapatilhas da convenção
Sem tropeçar,
Que os meus pés são turrões e tortos demais para tanto.
Deus me conceda forças
Para tolerar a hipocrisia institucionalizada.
Não posso declarar que estou infeliz, pois é ilógico
Que esteja triste e enraivecida,
Uma vez que todos os outros observam minha vida
E decretam que eu seja
Incondicionalmente feliz e apaziguada
E que decline do direito de queixar-me.
O fato, contudo, é que estou em brasas por dentro
E, mesmo assim, sou só risos frente à nova piada.
Por um momento, sou capaz de ouvir-me gritando,
Mas, logo que abro os olhos, vejo-me novamente
Disciplinada quanto aos meus paroxismos de ira
E impassível para com a chama que os acende.
Só me ponho séria quando estou furiosa
E somente por não me lembrar de como age
Uma pessoa qualquer, quando irada.
Repentinamente, odeio a todo o mundo.
Repentinamente, é-me impossível não odiar a todos,
Inclusive a mim mesma, como não poderia deixar de ser.
Encontro-me incapaz de amar qualquer um que seja.
Tenho a impressão de estar viva só por fora
E de, por dentro, viver só;
A rebuscada sensação de estar cercada de idiotas
E ser eu mesma nata e flor de todos eles.
Faço-me, então, de covarde e tapo os olhos
Para não ver quão pusilânime é o mundo.
Tenho lágrimas, mas onde derramá-las?
Não faleis comigo. Não hoje, por Deus,
E não canteis nenhuma canção que eu conheça,
Pois ainda pior do que ouvir o que dizeis
É escutar-vos repetindo o que disseram outros,
Ninguém sabendo ao certo o que foi que disse ou ouviu.
Papagaios! Não faleis comigo!
Saber de vós é sumamente desagradável.
Há coisas que aborrecem apenas porque existem.
Só se tolera aquilo que não se pode amar,
E eu não logro amar coisa alguma.
Isto é demais para qualquer um tolerar.
Essa incapacidade nos torna arrogantes, tão arrogantes!
Será que, para se recobrar a humildade primeira,
É preciso passar por mil calvários?
É possível manter-se a soberba sobre um ego degradado?
Procuro em mim um aspecto pelo qual possa ser observada
Com um sorriso, mas meu aspecto geral
É o da doente que já se anestesiou para sua moléstia;
Do corpo que já suporta, sem ais, a tortura;
Da flor que esteve durante tanto tempo entre espinhos
Que se tornou também espinho;
Do janeiro que puxou fevereiro e março e abril,
E, mesmo assim, não deixou de ser dezembro...
Não faleis de mim, que não sabeis a metade
Da verdade em vossas palavras.
Não sabeis a metade do significado de mover os lábios e falar!
Deixai-me só, que eu odeio estar só comigo,
Mas sou só eu e meu eu como fera e gladiador na arena,
E ambos de olhos vendados,
Sem poder reconhecer um ao outro.
Vindes oferecer corda ao enforcado?
Dai meia-volta com vossa solicitude;
As vagas de vilão e vítima já foram devidamente preenchidas
Por alguém com os naturais requisitos para tanto.
Não admito que me maltrateis. Se devo arder,
Há de ser sob minha própria guasca.
Quem deseja ajudar-me, que traga, por obséquio,
Um espelho que não seja pago para mentir.
Ou, então, que me deixe em paz em meu canto,
Onde eu possa ficar latindo atrás do carro fúnebre
Que leva o meu finado senso de direção.
Ou, ainda, eu gostaria de miar pela casa vazia.
Queria ser como os gatos,
Para pular por sobre as coisas, não passar por baixo delas.
Se não me podeis dar nada disso, nada quero;
Eu é que vos fornecerei uma boa apresentação
De rudes improvisos e ditos constrangedores,
E, em me mostrando assim tão estúpida,
Dou-vos a saber que somos idênticos!
A nova piada é que insistimos na mesma velha piada.

07.1998 (Falei que era velha.)

terça-feira, março 07, 2006

Liliana: retrato de uma vampira adolescente



OK. Ela NÃO É uma vampira, mas se esforçou um bocado pra virar uma. Quem acompanhou "Caia na Noite", publicada aqui mesmo, sabe o quanto.

Na época dessa noveleta eu tinha ficado de fazer um retrato da moça e aí, nada. Agora eu fiz. Bem rápido, é verdade, e sem requintes de finalização, mas não deixa de ter um certo estilo.

Tem passo a passo. Vão vendo...

sexta-feira, março 03, 2006

Finalmente: Necrópole - histórias de fantasmas


É o meu livrinho.

Estejam lá, meus queridos.

quinta-feira, março 02, 2006

Detalhe ampliado da ilustração.





















O que vocês acham?

quarta-feira, março 01, 2006

Capítulo 5: Final. Feliz?





Final. Feliz?

No quarto escuro o Rei ergueu devagar a mão. O Conselheiro sentou-se ao pé da cama e apanhou-a; fora forte e vigorosa, mas agora era a mão de um ancião exaurido pelos anos e devorado pela doença. Os lábios se moviam, mas o Rei já não tinha voz. O sábio homem ao seu lado, porém, percebeu qual era a sua pergunta muda.
– Não, sua majestade – sussurrou. – Os soldados ainda não a encontraram. Eu lamento muito.
Seus olhos e ouvidos subitamente se voltaram para um som abafado que vinha de longe. O som transformou-se em baques surdos e por fim fortes, próximos, constantes, velozes: um galope.
O Conselheiro teve apenas tempo de levantar-se antes que as portas do quarto se escancarassem num estrondo sob o choque de cascos e revelassem o corpanzil de um belo corcel negro. O velho nada fez, por vontade própria ou incapacidade, quando viu o animal adentrar o aposento tendo em seu dorso uma menina. Ou antes, uma mulher: nua como um bebê, apenas os longos cabelos cor de ouro cobrindo mal e mal suas vergonhas. Ele reconheceu em seu rosto as feições da Princesa. Mas a filha do Rei era uma criança inocente e impetuosa, com a meiguice que a boa vida no castelo conferia; esta mulher tinha na face a dureza de um guerreiro e a determinação de um monarca.
– Sua alteza – guaguejou o homem. – Ainda vive. Abençoada seja!
Mas ela o olhou apenas por um instante antes de deslizar do lombo do animal para o chão, onde os pés descalços mal soaram ao pousar.
– Meu pai – disse, debruçando-se sobre a cama. O velho reconheceu a voz da filha, mas conteve o esforço de se mover ao avistar a cabeça negra que se aproximava da sua.
O chifre do Unicórnio reluziu à parca luz das velas e sua ponta tocou a testa do Rei. Repousou ali por um momento; o enfermo então sugou o ar com força, seu corpo magro se retesou e suas mãos se crisparam nos lençóis. Desabou suavemente na cama. Seus olhos se abriram morosamente e a boca tremeu, mas nada disse. Ele estava assombrado.
– Às vezes nós tentamos tomar pela violência aquilo que nos seria concedido de bom grado – disse a Princesa, afagando complacente as rugas do soberano. – Perde-se, assim, a honra. Perde-se a sanidade.
Então, voltou-se para o Conselheiro.
– Meu pai está curado – falou com autoridade. – Logo, estará de pé e forte como um varão. Mas precisa repousar ainda um pouco mais. Devemos deixá-lo.
Apanhou as cortinas do dossel e cerrou-as, isolando o rei convalescente.
– Sua alteza... – O velho enrubescia diante do corpo nu da mulher, mas ela já não sentia vergonha de sua nudez.
– Você desejava casar-me com o Príncipe Inimigo. Bem, eu o conheci, e não acredito que daria um bom esposo para qualquer mulher. Traga-me pois papel, tinta e pena; irei descrever, ato por ato, tudo o que ele e seus homens me infligiram. Quando meu pai acordar, você entregará minha carta a ele. O Rei fará o que desejar com esse conhecimento.
Os olhos do Conselheiro cresceram ainda mais de espanto e angústia.
– Sua alteza, o que ele...
– Apenas prometa.
– Eu prometo, minha Princesa – respondeu, submisso.
A mulher sorriu para ele um sorriso desconhecido: entre esperto e amargo.
– Sua Princesa está morta – disse. Subiu ágil para o dorso do corcel e acarinhou seu pescoço, deixando que suas mãos afundassem na crina densa. – Assim como o Príncipe Inimigo logo estará, se o Rei ainda for o homem que já foi.
O Conselheiro observou mudo enquanto a dupla saía a galope no mesmo caminho pelo qual havia chegado. Ficou vendo a Princesa, mulher, não mais menina, afastar-se pelo corredor montada no imenso Unicórnio de pêlo negro, os cabelos dourados, livres, selvagens, varrendo as costas do animal.
Ele então olhou para a janela, pensando que o paraíso de uns é o inferno de outros. O sol acenou detrás das nuvens, concordante.

FIM.

Acabou, pessoal.
A ilustração de hoje foi feita sob influência de um de meus artistas preferidos, Alphonse Mucha, mestre da Art Nouveau. Ô pretensão, hein?
Vocês, que acompanharam toda a série: captaram algo simbólico aí?
Me digam o que acham. Depois eu digo o que acho.
Apreciaria suas críticas, seja em forma de flores, seja em forma de pedras. O silêncio de vocês está sendo constrangedor, eheh.


 

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