O que é belo morre no homem; não na arte.
de quem me precede no vício maldito
O que sentia era uma inexplicável atração por tal absurdo, principalmente pela chamativa combinação de cores na tela. Lindos tons de amarelo mesclando-se a radiantes nuances de vermelho. Ao mesmo tempo em que olhava embevecido para a magnífica obra – a sua obra – alimentava uma curiosidade e um incômodo crescentes dentro de si. Como poderia tê-lo terminado, em uma noite, sem o perceber? Era impossível. E lhe pareceu ainda mais impossível quando viu que aquele vermelho fulgurante e pulsante era a cor que sempre procurara e à qual nunca conseguira chegar, gastando suas forças e seus anos para achá-la, em vão. E agora ela se revelava à sua frente, sem explicação. Julgou que aquilo fosse uma extrema injustiça; que o que procurara durante tanto tempo – tanto que nem se lembrava mais de quantos anos se passaram – se revelasse assim tão facilmente; e pior, sem sua participação, sem que o mérito fosse seu. Percebeu, então, quão injusta era sua vida, quão inútil fora seu esforço em buscar o que queria. Num acesso de ira descontrolada e confusão, atirou-se sobre a tela, manchando sua roupa com a tinta fresca, que já não lhe parecia estar muito definida.
Voltou-se e viu que nada mais havia no quadro, não havia mais o lindo vermelho. Aquilo provavelmente havia sido fruto da sua imaginação; nunca havia aparecido aquele tom de vermelho em seu quadro. Ao acordar de uma turbulenta noite de sonhos, havia imaginado que a cor estava ali, mesmo que ele não a tivesse pintado.
Desesperado ao ver que, novamente, estava longe de conseguir o que queria, tomou uma faca nas mãos e direcionando-se à tela, rasgou o pulso. O sangue rapidamente começou a jorrar, incessante, tingindo sua obra de um vermelho vivo e pulsante. A combinação ficara linda. E em meio às gargalhadas histéricas, viu que enfim conseguira o que queria. Sua obra ficara magnificamente viva. Mesmo tendo que dar sua vida por ela.